segunda-feira, 27 de abril de 2009

Burra todos os dias

Há dias em que me sinto particularmente burra, e não percebo coisas que devem ser lineares para outros. Por exemplo:
Se é evidente que só se aprende o ofício de advogado "fazendo", treinando em casos pouco complexos e de reduzida responsabilidade antes de "meter a mão" em casos complicados, porque é que os estagiários só podem participar no sistema de acesso ao direito com substabelecimento do Patrono?
Assim de repente, estou a pensar que se o Patrono não quiser ou se achar que tem mais que fazer, não se inscreve no AJ. E se não se inscreve, o estágiário que dele depende fica de fora...
Eu percebo porque é que um jovem médico começa a treinar suturas em cabeças partidas e dedos cortados, ou coisa parecida, antes de ter autorização para abrir o corpo de uma pessoa doente. Não começa logo por uma apendicectomia, que nem deve ser das intervenções mais complicadas. Digo eu... Mas eu devo ser, de facto, muito burra.
Ou, como dizia o Dr. JC Mira, "porque é que eu não fui para padre?".

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Não doi nada e não custa nada

De vez em quando recebo e-mails com apelos relativos a crianças - e não só - a quem foi diagnosticada leucemia, não se conhecendo dadores compatíveis.
Por estes dias tem-se falado da Marta.
Esses mails reenvio acrescentando uma chamada de atenção para o CEDACE.
Quando se fala da necessidade de doação de medula óssea temos de nos lembrar de que alguém que está doente precisa de encontrar alguém que com ele seja compatível para a doação. É raro haver compatibilidade fora da família, mas acontece. E a pessoa compatível pode ser qualquer um de nós.
O CEDACE tem um registo nacional de dadores de medula óssea.
Eu estou inscrita (no Centro de Histocompatibilidade do Sul), e não custou nada.
Só tive de me disponibilizar para que me fizessem uma colheita de sangue, uma quantidade reduzida. Ficaram registadas as características do meu sangue.
Infelizmente, eu não sou compatível com a Marta, ou já me teriam chamado.
Se me tivessem chamado, continuaria a não doer nada, continuaria a não custar nada. A colheita é feita através do sangue, só seria necessário que o dador ficasse alguns minutos de braço esticado.
Os pais da Marta fizeram aquilo que eu faria se se passasse com um filho meu: apelaram à inscrição das pessoas no Registo Nacional de Dadores de Medula Óssea.
Porque amanhã se pode passar com um filho meu ou com um filho vosso, eu faço o mesmo apelo: inscrevam-se no CEDACE.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Monotonia e trouxe-mouxe

Por educação, hábito, gosto e mimetismo do ambiente em que iniciei a profissão, sempre me vesti de um modo muito formal na minha vida profissional.
Saia e casaco, ou fato com calças, normalmente preto (lutos sucessivos e formalismo levaram-me a esse hábito, difícil de perder) calças de ganga ocasionalmente, em sextas-feiras sem tribunal e sem clientes...
Sinto com frequência falta de cor na minha roupa, portanto recorro a blusas ou tops coloridos, para misturar com o preto "monótono" (já lá dizia a Ivone Silva que "com um simples vestido preto, eu nunca me comprometo").
Por causa do hábito e também pela idade reparo com frequência na indumentária de outras Colegas com quem me cruzo pelos corredores e nas salas de audiência.
E em várias ocasiões fiquei embasbacada a olhar para algumas Colegas; não por causa de decotes generosos nem mini-saias (a toga tapa uns e outras e há quem fique muito bem quando se apresenta decotada ou de pernas ao léu).
O que já vi e me deixou de cara à banda foram "botas da tropa", saias de ganga esgaçadas nas pontas acompanhadas de alpercatas, camuflados por cima de saias a imitar chintz, quadrados misturados com riscas e lantejoulas, em combinação de cores que não lembram a um daltónico e calças com o gancho algures pelos joelhos, de umbigo à mostra.
Cada um veste-se como quer e gosta, e as cores foram feitas para se usar e alegrar a vida.
Mas interrogo-me se quem se veste assim terá a noção do impacto visual que causa; não nos Colegas, mas no julgador.
Não por acaso sempre evitei roupa informal nos dias em que dou formação. A imagem também se ensina.
Terá uma advogada de se vestir com "monotonia" para ser levada a sério? Estou em crer que não. Mas se calhar ajuda se não parecer que vestiu as primeiras peças que tirou da máquina de secar...

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Vantagens das deficiências

Descobri recentemente que sou disléxica.
Quando eu era miúda fui diagnosticada como "acelerada", e desconfio que "dislexia" era termo que não constava dos dicionários.
Como sucede frequentemente com crianças confrontadas com o diagnóstico, senti um enorme alívio quando soube: percebi a causa das minhas dificuldades ao longo de anos de aprendizagem e sei que é possível ultrapassá-las. Porque apesar da "deficiência" é possível atingir sucesso pessoal e profisisonal.
No meu caso, creio mesmo que a dislexia contribuiu para me ajudar, em parte, naquilo que faço: tendo-me apercebido muito cedo de que tinha dificuldade em me fazer entender, acabei por descobrir que há formas de comunicação alternativas para aquela em que sentimos especial dificuldade (porque os disléxicos não sentem todos as mesmas dificuldades).
Descobri, então, que era capaz de exprimir uma ideia usando exemplos ou imagens (normalmente a imagem de um mecanismo a funcionar).
As imagens continuam a passar na minha cabeça a uma velocidade superior àquela a que eu sou capaz de encontrar palavras para as exprimir.
Se sucede que, por vezes, eu sou capaz de explicar (ou pelo menos de tentar explicar) uma ideia complexa de um modo simples, como se me dirigisse a uma criança de "5 aninhos", isso deve-se ao facto de, lá no fundo da memória, eu ainda ter cinco anos, e ter primeiro de perceber a ideia abstracta para só depois a transmitir de modo a fazer-me compreender.
Agora que sou adulta, concluo que a minha dislexia só me trouxe vantagens.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

O Guardador de Ovelhas

Era uma vez...um guardador de ovelhas, que tomava conta das ovelhas que lhe entregavam.
Levava-as a comer e a beber, deixava-as brincar, defendia-as dos lobos e todos os dias as devolvia a quem lhas tinha entregue.
Um dia disseram-lhe que cuidara mal do último rebanho que lhe fôra entregue, e portanto não podia continuar a cuidar das ovelhas.
O guardador de ovelhas ficou muito triste, apesar de ver as ovelhas a cargo de outro guardador, que delas cuidava com zelo.
Preocupou-se então com as ovelhas perdidas, que não tinham guardador, e fez com elas aquilo que fizera com os rebanhos anteriores, cuidando delas e defendendo-as dos lobos, o melhor que podia e sabia.
Porque o bem estar das ovelhas era a única coisa que lhe interessava, não precisava de rebanhos: bastava-lhe tomar conta das ovelhas que andavam perdidas, até que cada uma delas encontrasse o seu caminho.

sábado, 11 de abril de 2009

Mudanças

Quando eu comecei o estágio, em finais de 1989, havia sessões de formação na Ordem dos Advogados.
Éramos 10 ou 15 numa sala de aula, com um formador por cada uma das áreas obrigatórias.
Devia haver umas (poucas) centenas de novos advogados por ano.
Quando entrei para a formação, em finais de 2003, havia cerca de 1500 novos advogados estagiários por ano, distribuídos por dois cursos de estágio.
Quando eu comecei, o estágio assentava primordialmente na figura do "patrono tradicional". Eu tive a sorte de ter como Patrono um excelente Advogado que sabia ser patrono. Fui a sombra dele durante a primeira parte do estágio, até ser capaz de o substituir nos seus impedimentos e de colaborar com ele na condução dos processos.
Os tempos mudaram, e a figura do "patrono tradicional" está em crise.
São raros os estágios feitos nas condições em que eu o fiz, permanentemente apoiada enquanto me ensinavam a "voar", objecto de atenção mas também de muita exigência.
Tenho pena.
Mas temos de nos adaptar às mudanças e estar atentos à realidade: não há patronos que cheguem, patronos como aquele que eu tive, atentos, exigentes, que delegam competências, ensinam e partilham, que sabem e gostam de ensinar.
Não basta "saber", é preciso saber "ensinar a fazer".
Ao longo dos anos deparei-me com advogados estagiários que só nas sessões de formação inicial encontravam alguém que tivesse tempo, que quisesse e gostasse de explicar vezes sem conta até ser percebido, que "ensinasse a fazer". E não eram poucos os estagiários nessas condições...
Se a realidade é esta, impõe-se EXIGIR que a formação ministrada na fase de formação inicial seja de qualidade.
Sob pena de próximas gerações de advogados ficarem entregues às feras.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

À minha maneira



For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels;
And not the words of one who kneels.
The record shows I took the blows
And did it my way!

terça-feira, 7 de abril de 2009

Alhos e bugalhos

Nos termos do art. 2º do Regulamento Nacional de Estágio em vigor, o estágio tem duas fases: a inicial, com a duração de 6 meses, e a fase de formação complementar, com a duração de 24 meses.
Durante a fase de formação inicial são ministradas sessões de formação nas áreas obrigatórias (Deontologia Profissional e Organização Judiciária, Práticas Processuais Civis e Práticas Processuais Penais), sendo que no final dessa fase os estagiários são submetidos a três provas escritas, uma por cada área de formação (provas de aferição).
Obtida a aprovação nas três áreas, os estagiários entram na fase de formação complementar, no fim da qual são submetidos a cinco provas escritas (além das três áreas da fase inicial, são escolhidas outras duas pelo formando). Ultrapassada esta prova escrita, os estagiários são admitidos a prestar prova oral (obrigatória), sendo que, obtida aprovação, lhes é atribuída a cédula profissional.
Porém, a formação de advogados não termina aqui. Está ainda prevista a formação contínua para advogados (art. 190º do Estatuto da Ordem dos Advogados).
Isto parece óbvio (está escrito em letra de lei e publicado como lei). Digo eu...
Mas, se é óbvio, porque é que, de vez em quando, quando se fala de formação, quem fala parece desconhecer quantas fases de formação existem e qual o objectivo de cada uma delas?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ficção na oratória

O improviso não existe.
Há coisas que se dizem de improviso, e um Advogado é frequentemente confrontado com a necessidade de "dizer coisas" sem que tenha sido previamente alertado para tal.
Mas aquilo que muitas vezes parece um improviso não o é.
Há Advogados que têm um dom natural para falar sem recorrer a notas, que contam uma piada no meio de um discurso e até parece que se lembraram de repente... Pura ilusão.
Um bom "improviso" é estudado ao pormenor, sopesa-se cada palavra, pondera-se a reacção do(s) destinatário(s) àquilo que se afirma e prepara-se o "grand finale".
Sim, porque há duas coisas difíceis num discurso: a entrada e a saída.
Por onde se começa, para captar a atenção? E o que se diz no fim, de modo a que fique uma impressão duradoura daquilo que se disse?
A boa notícia é que se se pode aprender a fazer discursos, designadamente em alegações (debates), também se pode aprender a treinar "improvisos".

Discussões e divergências

Os Advogados discutem.
Uns com os outros, com os juízes (nas peças processuais) e com os clientes.
É da discussão que nasce a luz, e faz parte da evolução até se chegar a Advogado aprender como se discute e o que pode ser discutido.
Sucede com frequência que as discussões entre advogados são mal interpretadas por quem está de fora, mais ainda por quem ainda não aprendeu a discutir.
Essa má interpretação leva a que "discussão" seja entendida como "divergência" ou "polémica", quando se trata, afinal, do "exame de uma questão em que tomam parte várias pessoas".
Eu discuto que me farto. Discuto especialmente com as pessoas de quem gosto, porque a sua opinião é importante e posso aprender com elas, mais que não seja porque me levam a examinar a questão de vários pontos de vista.
Uma discussão minha com um Senhor Juiz é normalmente antecedida de um "V. Exa", que traz formalismo à discussão e a distingue de uma "discordância". Se um Advogado discordar de um Juiz recorre ou reclama, não discute.
É preciso aprender, também, que não concordar com determinada opinião significa apenas isso; não significa nem pode significar que se discorda da pessoa. E nunca podemos pensar que alguém que não concorda connosco merece menos respeito.
Pelo contrário: merece mais respeito quem não concorda e o diz, do que aquele que silencia a discordância.