terça-feira, 31 de março de 2009

O céu é uma livraria









Eu cresci na "Linha", e vir a Lisboa era um acontecimento.
A minha Mãe trazia-nos - a mim e à minha irmã - de comboio, descíamos no Cais do Sodré e subíamos a Rua do Alecrim em direcção ao Chiado.
Parávamos numa das igrejas do Largo do Chiado, íamos à Ferrari comer um croissant, descíamos para a "Artex", na Rua Nova do Almada. a comprar material escolar, e voltávamos a subir ao Chiado, para o "Azul e Rosa", os "Grandes Armazéns do Chiado" e o "Grandella".
Já não existe nenhuma dessas lojas da minha infância, atingidas pelo incêndio do Chiado em 1988...
No regresso, a minha Mãe sabia que tínhamos de passar pela Bertrand do Chiado, e que eu nunca resistiria a entrar e demorar-me. Era a melhor parte do meu dia na grande cidade!
Ia de sala em sala, deixando-me envolver pelo cheiro de papel e madeira, pequenina ao pé das estantes enormes, parando junto da secção de livros infantis e mais tarde junto dos clássicos. Foi na Bertrand do Chiado que eu me tornei uma fã de Jane Austen, que vi pela primeira vez um livro com Winston Churchill na capa e que descobri que havia livros em alemão para além daqueles que eu lia na escola.
A Bertrand ainda existe, mas depois de a minha Mãe morrer - no mesmo ano do incêndio do Chiado - nunca mais lá voltei.
Até perto da adolescência, eu estive convencida de que o céu deveria ser parecido com aquela livraria, e não quis voltar ao sítio mais mágico da minha infância.
Ontem enviaram-me fotografias de outra livraria, considerada a livraria mais bela do mundo: a Lello & Irmão, no Porto.
Recordaram-me o céu que eu imaginava na minha infância, e é certamente o sítio onde eu gostaria de me perder...

domingo, 29 de março de 2009

O alemão primo do outro

Um dia destes, posso esquecer-me de tudo.
De quem fui, de quem sou, como me chamo, e o que fiz ou faço.
Vou lembrar-me de que tenho de ir depressa, porque o tempo não foi feito para se perder, mas poderei não me lembrar para onde queria ir.
Poderei deixar de saber usar um lápis, para que servem os livros e como se conduz um carro, muda uma fralda ou faz um telefonema.
As pessoas saberão quem sou e não perceberei porque olham para mim com cara de caso.
Se eu for assim apanhada pelo "alemão", desejo ser capaz de me lembrar de olhar para nascente mesmo antes da alvorada, de esperar que a onda do mar rebente nos meus pés e de abrir a janela de par em par no primeiro dia de primavera.
E desejo acima de tudo que, mesmo quando pareça que eu esqueci tudo, aqueles que importam se lembrem que as recordações que tenho deles estão apenas fechadas numa caixa da qual perdi a chave.


A vida é bonita é bonita e é bonita. (Gonzaguinha)

sábado, 28 de março de 2009

Trabalho e conhaque

Os litígios só existem entre os Clientes, não se estendem aos Advogados.
Alguns clientes têm, às vezes, dificuldade em compreender como é possível que o seu advogado seja amigo do advogado que representa a parte contrária, "aquele malandro".
Não compreendem que o advogado tem a capacidade e a competência necessárias para separar o objecto do litígio das relações pessoais, e que o facto de ser amigo do mandatário da contraparte não afecta (não pode afectar!) o modo como exerce o patrocínio.
Quem está a começar nesta profissão depara-se com a mesma dificuldade em perceber que "trabalho é trabalho e conhaque é conhaque", muitas vezes porque o sangue na guelra, tão característico da gente nova, interfere com a objectividade necessária à condução do processo.
Mas depois passa, no advogado estagiário que nem sempre no cliente.
Basta começar a fazer, tendo a noção das mais elementares regras deontológicas, para se perceber que é fácil fazer a distinção entre a defesa de uma posição processual e as relações pessoais dos intervenientes.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Encruzilhadas

Há quem inicie o estágio de advocacia sem ter a certeza de que quer ser advogado.
Findo o curso, pareceu ser o caminho natural...
Sucede que para se poder ser advogado é preciso ultrapassar inúmeras dificuldades, a começar em possíveis reprovações nas provas durante o estágio e a acabar na dificuldade em explicar a um cliente que o nosso trabalho tem de ser pago a tempo e horas.
Há certamente quem se interrogue, durante e após o estágio, se vale a pena continuar a insistir em querer ser advogado.
O que sei é que é preciso gostar muito de trabalhar como advogado para se poder sê-lo. É preciso ter paixão, acreditar na importância do serviço que prestamos e estar disposto a abdicar de muitas coisas, a começar pelo tempo dedicado à família.
Sem paixão pela profissão não vale a pena continuar. Mais vale desistir e ir fazer outra coisa qualquer.
Porque não é um drama não poder ser advogado. O que é um drama é insistir em fazer uma coisa que não nos traga felicidade, porque a nossa felicidade - e a daqueles que amamos - é aquilo que interessa, no fim do caminho.
São as dificuldades que encontramos pelo caminho que nos colocam perante encruzilhadas, e se é (parece) evidente que há casos em que a escolha não é difícil, noutras situações ficamos hesitantes na escolha.
Quando eu hesito, obrigo-me a parar e a olhar "para dentro". Não procuro a solução mais fácil ou mais confortável. Procuro aquela que me parece que me fará feliz.
Se para atingir a felicidade naquilo que faço tiver de afastar as pedras do caminho, afastarei as pedras.
O que não farei é conformar-me com a mediocridade de desejar apenas o possível.
Aquilo que podemos pensar que é impossível está à distância de um gesto: o acto de mudar o que precisa de ser mudado.
Façam o favor de ser felizes!

terça-feira, 24 de março de 2009

Hora da verdade

É preciso fazer o enunciado, vai haver exame.
Faz falta o Dr. JC Mira com os coelhinhos esfolados e as alheiras, com o Henrique Cimento que era Réu!
Depois de fazer o enunciado, resolvê-lo, para garantir que não há erros.
Está longo demais? Curto em demasia?
E a grelha? Ficou alguma coisa esquecida?
Nunca mais é o dia do teste.
Que stress para quem faz o enunciado?
Que stress para quem estuda!
Os "meus meninos" do 2º Curso de Estágio de 2008 estão a fazer os exames da 1ª fase...

segunda-feira, 23 de março de 2009

"Herrar é o mano"

Redacção:
Quando eu tiver um mano ele vai chamar-se Herrar, porque Herrar é o mano.
Vamos só supor, por hipótese de raciocínio, que eu cometia um erro a classificar uma prova, e que não havia recurso da classificação que eu atribuí.
Não consegui ler o que estava escrito e não me dei ao trabalho de pedir cópia legível, não vi a resposta a uma pergunta, atribuí classificação diferente daquela prevista, whatever.
Confrontada com o erro ou omissão, eu reconhecia o erro.
A reacção do(a) visado(a) seria, imagino, esperar que eu fizesse alguma coisa para corrigir o erro que eu própria tinha reconhecido que cometera.
E agora imaginemos que eu não pedia desculpa, dizia que errar é humano e ficava por aí; a consequência era a eliminação...
Dava vontade de me insultar ou de me bater, qualquer coisa do género, não dava?
No mínimo, dava para exigir alteração das regras do jogo, que permitissem anulação da correcção ou rectificação/recurso da correcção.
Eu só queria saber porque é que um árbitro deste calibre continua a apitar jogos de futebol....

quinta-feira, 19 de março de 2009

Linguagem

Se é verdade que, como diz o povo, é a falar que a gente se entende, de um Advogado exige-se muito mais do que saber falar.
Um Advogado tem de dominar o uso da palavra escrita e da palavra falada, impondo-se rigor na utilização dos termos técnicos. Mas tem, antes de mais, de saber escrever.
Um Advogado não pode dar erros de ortografia ou de sintaxe, e impõe-se que saiba fazer concordar os tempos verbais e aplicar os sinais ortográficos.
Não pode, por exemplo, confundir a contracção da preposição "a" com o artigo "a" (à) com a 3ª pessoa do indicativo do verbo "haver" (há). Mas só quem corrige provas de advogados-estagiários sabe como essa confusão é o erro mais frequente...
Ao longo dos 17 anos que levo de ensino já vi muitos erros, sendo que o TOP 1 é claramente "ipótse", quando se pretendia escrever "hipótese".
Mas "reconvenssão" também seria motivo de riso, se não fosse motivo de desespero para quem corrige.
Interrogo-me porque é que, em textos que não são peças processuais, alguém que é advogado utiliza o k em vez de "que", pk em vez de "porque", aplica indiferentemente letras maiúsculas e minúsculas, e escreve sem usar vírgulas.
Fará o mesmo em peças processuais?
Usará perante o tribunal uma linguagem coloquial?
Eu nisto devo ser bota de elástico, e sou certamente intransigente, mas alguém que não saiba escrever não está em condições de ser Advogado. Porque ser advogado é fácil. Ser Advogado é outra coisa...

sábado, 14 de março de 2009

Cabecinha pensadora

Ao longo dos anos verificou-se que a utilização de minutas nos exames dava mau resultado: porque com os nervos e por falta de atenção muitas vezes se copiava o que não era aplicável àquele caso do exame.
A inadequada utilização da minuta detectava-se com facilidade, revelando, com consequências graves em termos de avaliação, que o utilizador não tinha pensado antes de escrever, optando pela (alegada) solução mais simples.
Por esse motivo, entre outros, o actual Regulamento de Estágio proibe a utilização nos exames de outros elementos que não sejam legislação.
Durante esta semana em que não tive (e ainda não tenho) acesso à minha pasta do servidor cá do escritório, onde tenho guardadas as peças de quase 20 anos de trabalho, vi-me obrigada a cumprir prazos fazendo cada uma das peças desde o início.
"Mas não tem backups?" Tenho, em pen e em CD.
Só que leva mais tempo a procurar e a instalar do que a fazer do início.
Enquanto um advogado tiver a lei à frente e uma cabeça para pensar está sempre safo!

segunda-feira, 2 de março de 2009

Art. 254.º, nº 3 do CPC


Nos apontamentos dos formandos do Dr. JC Mira - e agora nos apontamentos dos meus formandos - este desenho é obrigatório.
O dia "0" é a data do registo.
Contam 1, 2, 3 - e podem contar pelos dedos porque isto não é um prazo, é uma presunção.
O dia (dedo) "3" é a data da notificação.
O dedo que sobra (o dedo mindinho) indica o 1º dia do prazo.