domingo, 7 de setembro de 2014

O Citius, as recomendações e os alçapões


O Citius crashou na passada sexta-feira (5/9), mas desde o dia 1 que os utilizadores sabiam que aquilo não estava operacional.
Ao longo da semana foram sendo noticiados vários problemas do Citius: impossibilidade de envio, tribunais "extintos", processos desaparecidos, erro na submissão...
O que podia correr mal correu mal.
Foi notícia de capa de jornais, abertura de telejornais e objecto de entrevista a alguns representantes de operadores judiciários.

Determina o nº 1 do art. 140º do CPC que se considera "justo impedimento" o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do acto.

O Citius não esteve operacional, e esse é um evento que não é imputável às partes nem aos seus mandatários ou representantes.
Determinando a lei (cfr. at. 144º do CPC) que os actos têm de ser praticados através da plataforma Citius, eis-nos perante um evento que cabe na previsão do nº 1 do art. 140º do CPC.

O nº 2 do mesmo art. 140º dispõe que é do conhecimento oficioso a veriificação do impedimento quando o evento constitua facto notório nos termos do art. 412º do CPC:

"Artigo 412.º
Factos que não carecem de alegação ou de prova
1 — Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar -se como tais os factos que são do conhecimento geral.
2 — Também não carecem de alegação os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções; quando o tribunal se socorra destes factos, deve fazer juntar ao processo documento que os comprove."

Daqui tinha - e tenho - como garantido que a falha do Citius constitui um facto notório, que dispensa alegação e prova.

Claro que pode ser defendido que na realidade não se trata de um verdadeiro "justo impedimento", porque o acto pode ser praticado recorrendo aos meios alternativos ao Citius.

O evento mantém-se, porém, como facto notório - e não vejo como pode deixar de o ser - sendo do conhecimento geral que não tem sido possível praticar actos através do Citius, nem se sabendo quando voltará a ser.
Não há bicho careta que não saiba que o Citius estava e está com problemas.

Eis que no dia 5/9 surgiram as recomendações do Grupo de Trabalho para a Implementação da Reforma da Organização Judiciária, e um último parágrafo que é um 'buraco negro'.

O tal Grupo de Trabalho reconhece a falha geral do Citius - atestando na prática a verificação do tal evento que é facto notório - mas ao mesmo tempo determina que, para atestar a verificação das situações de justo impedimento o IGFEJ emita declaração expressa sobre a inoperabilidade do sistema.

Chegados aqui, fico sem saber se o Grupo de Trabalho conhece a existência dos arts. 140º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do CPC.

Porque se conhece, não consigo perceber como declara a inoperabilidade e em simultâneo exige (aos advogados que querem praticar actos) a alegação e prova do justo impedimento.

Finalmente, a tal declaração que o IGFEJ deve emitir é "geral e universal" ou temos nós, advogados, de pedir a emissão de uma declaração por acto que se pretenda praticar enquanto a plataforma está inoperacional?

Resumindo: as recomendações terão todas as virtudes que lhes queiram atribuir, mas o facto é que dificultou a vida aos advogados quando afastou a notoriedade do evento que constitui o justo impedimento.

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